À beira do Rio Tietê em Ubarana - SP
quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
Comer, amar e ler...
Depois de um ano agitado, nada melhor que o aconchego da família
para recarregar as energias.
Oriunda de uma família que aprecia a boa culinária, logo na
chegada na casa de minha mãe, ela indaga meu marido:
- Marcelo, o que você quer comer?
Ele, um pouco sem graça e desacostumado, responde:
- Qualquer coisa, mas pode ser um bife à parmeggiana.
Ela atende seu pedido.
A tia liga e pergunta:
- Vocês gostam de Javali assado?
-Hummm... tia, que delicia. É claro que gostamos.
Depois do almoço, um descanso merecido, em frente dos
diversos canais (que não temos), um assistir descompromissado que termina em um
sono leve facilitado com o vento que emana do ventilador.
Acordamos e no meio da tarde, para embalar aquela leitura
leve que ficamos devendo durante o ano, um café forte e puro já nos espera na
mesa.
Acompanhados com Stendhal e Raduan Nassar, seguimos
calmamente para nosso cantinho de descanso. E entre um parágrafo e outro, entre
uma pergunta de significado de alguma palavra desconhecida, o êxtase de uma
frase justa, um carinho.
Fazer carinho com os pés no pé dele, um beijo carinhoso, uma
expressão de mais carinho.
Uma mão no livro e outra no peito – no dele.
Uma mão no livro e outra no rosto – no meu.
E assim, devagar, deliciosamente, vamos aproveitando o
descanso merecido.
domingo, 9 de dezembro de 2012
Crônica (de uma vida) anunciada
Depois de mais de quatro horas no ônibus, suportando a
ansiedade, enfim, ela pôs os pés em solo paulistano.
Não conseguiu dormir durante a viagem e, ao descer do Prata,
seus olhos estavam embaçados.
Sem saber direito para onde ir, ela pegou suas malas e olhou
ao seu redor. Pensou:
- Nossa, quanta gente. É gente demais mesmo.
Era ônibus saindo, chegando, pessoas acenando, criança
correndo e outras gritando.
Até que apareceu alguém para ajudar.
- Moça, posso levar as suas malas?
- Pode, disse ela.
Pensou: que pessoas agradáveis, só por ver aqui sem
conseguir carregar as malas, mesmo sem eu pedir, me socorreu.
Enquanto ele levava suas malas, ela seguia atrás, sem saber
direito para onde estava indo, mas refletia o quanto seria bom viver em São
Paulo, nessa grande cidade.
Sem medo, ela o seguia com passos firmes. Até que logo
quando chegou na catraca do metrô Barra Funda, o homem que carregava as malas,
abriu-lhe um sorriso e disse ao passar as malas pra ela:
- São seis reais.
Ela, ficou alguns segundos sem ter o que falar. Tirou o
dinheiro da carteira, pagou o simpático cidadão; olhou pra cima e viu a placa:
- Bem-vindo a São Paulo.
Pegou as malas e seguiu em direção ao Paraíso.
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Existe Amor em São Paulo
Era um dia daqueles.Voltando da USP, na linha Amarela do metrô, vi um homem que me chamou atenção por sua serenidade. Não sou poeta, mas as linhas abaixo foram escritas no vagão, sem ele perceber que havia me dado tanta esperança no ser humano.
Existe Amor em São Paulo
Existe Amor em São Paulo
Com roupas nitidamente velhas,
Tênis Nike suado
Mochila atada com barbante,
Os lírios chamaram atenção
Com olhar lúcido e
firme
As flores brancas deram a manchete
De uma vida doída, porém esperançosa
Deu vontade de puxar papo,
Perguntar para quem eram aquelas flores
De saber mais da sua vida
Mas fiz melhor
Imaginei:
Ele abre o portão e é anunciado
Por um grunhido que denuncia a falta de óleo
Encontra a sua mulher com olhos cansados
E ela abre um largo sorriso
- Toma, é pra tu.
Diz ele timidamente
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
Saudade inexplicável
Após alguns meses de meu ingresso no movimento secundarista,
fui à atividade da União Brasileira de Estudantes Secundaristas, da UBES, em
Niterói. Na mesma cidade onde foi fundado o Partido Comunista do Brasil.
Com todo esse contexto simbólico, eu estava empolgadíssima, até
mesmo porque depois de descobrir tanta coisa nova, pessoas legais, ideias
transformadoras, ficamos eufóricos naturalmente.
Durante a plenária final, quando os nervos sempre ficam a
flor da pele, uma juventude sem sentido estratégico (que, pelo fato, não vale a
pena citar) puxou uma palavra de ordem xingando o João Amazonas. Era assim: “PCdoB
para de zona, vamos empalhar o João Amazonas”.
Eles nem tinham acabado a frase quando uma multidão de
militantes da UJS já estava em cima deles. Foi uma grande confusão, para não
dizer pancadaria.
Mesmo depois de a poeira baixar, mesmo os dirigentes,
diziam: “Como eles ousam citar o nome do João Amazonas?”.O sentimento é que ele estava ali, em meio a tantas meninas
e meninos que deixaram suas casas para estar defendendo a educação brasileira e
um país mais justo.
Durante a homenagem que aconteceu na Câmara Municipal de São
Paulo o sentimento não foi menor. Foi mais consciente, pois depois de muitos
anos, depois de passear pela formulação de Amazonas, parafraseando Einstein, não
tem como a nossa mente voltar ao estado anterior.
Mesmo em outro estágio de compreensão da luta pelo
socialista a emoção veio à tona.
Já durante o vídeo (link abaixo) as lágrimas rolaram por
minha face. Na reflexão sobre a intervenção do presidente do PCdoB, ficou um
vazio, uma saudade que é difícil de explicar porque eu não conhecia Amazonas.
O vazio parece-me, que é por sentir falta de alguém que se
debruce para entender a realidade e elaborar uma teoria revolucionária para o país.
Parece-me que no mundo todo faltam homens como João Amazonas, mas sobram
perguntas a serem respondidas e vou além, faltam perguntas mais justas e
coerentes serem formuladas.
Ainda hoje tento explicar e justificar para mim mesma o porquê
dessa saudade, que não é um certo saudosismo. Ou será?
Espero que eu esteja no caminho para entender o papel de
João Amazonas e o sentido que deu para toda a sua vida.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
“Porque os ouvidos da minha vida se abrirão como as flores”, Adalgisa Nery
Esse blog passa a ater como título homônimo
da coluna da jornalista Adalgisa Nery, que inspirou Carlos Drummond de Andrade
e Murilo Mendes. Que sua coragem e vivacidade inspirem novas gerações que só querem ver um país forte e soberano.
Tive meu
primeiro contato com Adalgisa Nery (Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela
Ferreira, seu nome de batismo) no final do ano passado. Enquanto realizava uma
pesquisa nas edições do jornal A Última Hora, do grande jornalista Samuel
Wainer, me deparei com a sua coluna “Retrato sem retoque”.
A coluna de
Adalgisa me chamou atenção pela vivacidade de suas palavras. Também pudera.
Desde criança sua postura era essa: viva perante a inércia do status quo. Na adolescência, quando
estudou em um colégio de freiras, foi expulsa por defender as órfãs que eram
consideradas subalternas e, por isso, eram muito maltratadas.
Seu primeiro
casamento foi com o pintor Ismael Nery, precursor do Modernismo no Brasil, com
quem casou aos 16 anos e ficou até a morte do artista.
Depois de
Ismael, Adalgisa casou-se com o jornalista e advogado Lourival Fontes, diretor
do temível Departamento de Imprensa e Propaganda. Mas antes que um leitor já a
julgue pela trajetória de seu marido é importante salientar – em tempo - que ela
utilizava a profissão do seu marido como seu escudo para escrever sobre a
história que participava.
Adalgisa era
diferente dos personagens daquele enredo ditador. Ao visitar o México, mesmo em
agenda de Lourival, ficou amiga de Diego Rivera – que chegou a pintá-la - e Frida
Kahlo. Depois da separação do casal, Adalgisa escreveu histórias que só sabiam
quem acompanhava o convívio dos militares.
Jornalismo e Política
Depois da
sua separação com Fontes, Adalgisa mergulhou no jornalismo. Sua coluna é um
verdadeiro retrato sobre a política no governo Vargas.
Por ter
intimidade com as pautas militaristas, ela sabia o que estava por vir. E não
ficou calada. Sua coluna denunciava os limites do militarismo, suas tramas e
uma sólida opinião sobre o patamar e desafios do desenvolvimento do país.
Sua coluna
foi um sucesso entre os leitores. Adalgisa era reconhecida por sua opinião e
pelo enfrentamento que fazia às forças poderosas. E, como uma líder daquele
tempo, foi eleita deputada três vezes, primeiro pelo Partido Socialista
Brasileiro (PSB) e, depois, pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Em 1969 teve
seu mandato e direitos políticos cassados e voltou a escrever poesia.
Poesia
Ela que já
tinha sido a musa inspiradora de Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes,
após anos sem publicar poesias, voltou a escrever.
Quem lê os
poemas de Adalgisa sente o peso de sua trajetória. Suas poesias são sofridas,
desalentadas e solitárias, mas mesmo assim belíssimas.
Adalgisa
morreu em uma casa de repouso, em 1980, três anos depois de ter um acidente
vascular cerebral.
“E no faminto
inconsciente, o tempo
Sorvendo com fúria o
seu sustento
No insondável silêncio
de mim mesma”
Assinar:
Postagens (Atom)