As datas viram marcos quando nos faz lembrar
de algo ou alguém importante e que nos faz falta. É esse o caso deste 17 de
maio: cinco anos sem o ‘escritor cordial’,
o uruguaio Mario Benedetti.
Benedetti nasceu em 1920 em Paso de los Toros.
Aos dois anos mudou com os pais para Tacuarembó, onde começou a estudar alemão
na Deutsche e que, mais tarde, fez com que Mario fosse o primeiro tradutor do
Kafka no Uruguai. Na sua juventude publicou ainda sete livros sem vender ao
menos um exemplar.
Mario foi um jornalista de outro tempo, mas
podia adaptar-se muito bem na situação atual dos jornalistas, pelo menos os
brasileiros. Foi vendedor, funcionário público, contador, locutor, tradutor,
taquígrafo por muitos anos, mas sempre foi também jornalista e escritor. Nunca
deixou de escrever e as suas outras profissões serviram de cenário para os seus
romances.
A academia também chamava a sua atenção.
Dirigiu o Centro de Investigações Literárias, da Casa das Américas e o
Departamento de Literatura Hisponoamericana da Faculdade de Humanidades de
Montevideo, deixando o cargo somente em 1973, devido a ditadura militar.
A repressão o expulsou de seu país natal, mas
o fez um cidadão latino americano e socialista. Por causa da repressão, foi
para Argentina, Perú, Cuba e Espanha. Voltou para o seu país somente em 1985,
quando a democracia já se reestabelecia.
Da vida escura, escondida, dura e cruel da
repressão, resolveu defender a alegria como trincheira, bandeira, princípio,
destino, certeza e direito. (Ver o poema Em defesa da alegria)
Benedetti foi um escritor pleno. Teceu
poesias, contos, novelas, ensaios, críticas literárias, peças de humor - com o
pseudônimo de Damodes - e até canções, presentes no disco Canciones del Más
Acá, de 1988.
As suas personagens revelaam as mil facetas e
a complexidade da alma humana, desnudando a dialética que movimenta a vida, em
que é capaz de mudar até mesmo as circunstâncias mais estabelecidas.
A sua experiência política também serviu como
enredo para os seus livros que, às vezes sutil, outras nem tanto, se preocupou
com a ideologia, com os valores e com a moral. É essa cena de “Primavera num
espelho partido”, em que, em plena ditadura, a personagem aguarda o seu
companheiro sair da prisão, mas se apaixona por um amigo dele, que fazia parte
da resistência à ditadura junto com seu marido.
A
Trégua: amor, nacionalismo e consciência de classe
As mudanças e surpresas que a vida impõem
estão em suas obras como o ritmo nas músicas. O escritor de A Trégua, obra que
conta o romance entre Avellaneda e o Martín Santomé, funcionário público, viúvo
e com 50 anos, que se apaixona pela
jovem de 24 anos que muda a sua vida e
lhe mostra o amor como um dos elementos emblemáticos da vida.
“ O amor breve ou longo, espontâneo ou
minuciosamente construído, é de qualquer modo um apogeu nas relações humanas”,
descreveu na apresentação de um dos seus 80 livros.
Com A Trégua, uma das obras mais importantes
da literatura latino-americana, revelou a simplicidade, leveza e liberdade
existente no amor:
“O plano traçado é a absoluta liberdade.
Conhecer-nos e ver o que acontece, deixar que o tempo corra e reavaliar. Não há
travas. Não há compromissos. Ela é esplêndida”, escreve Martín em seu diário
enquanto esperava a resposta de Avellaneda.
É também nessa grande obra que dois conceitos
evidenciam as ideias de nacionalismo e de classe do autor. Santomé está sentado
num banco e vê um "operário municipal" cortando grama. Observa o
trabalho, compara com o seu, pensa em ser garçom de café e conclui: "Esse
que passa ( o de sobretudo comprido, orelha de abano, passo capenga e raivoso),
esse é meu semelhante. Ainda ignora que eu existo, mas um dia me verá de
frente, de perfil ou de costas, e terá a sensação de que entre nós existe algo
secreto, recôndito laço que nos une, que nos dá força para nos entendermos.
[...]. Mas não importa; seja como for, é meu semelhante".
Dentro desse mesmo momento de reflexão,
demonstra grande pertencimento ao seu país, a sua nação e conclui: "Creio
que nesse momento afirmou-se em mim uma convicção: eu sou deste lugar, desta
cidade. [...]Cada um é de um só lugar na terra e ali deve pagar sua cota. Eu
sou daqui. Aqui pago a minha cota".
Foi também obra de Benedetti traduzir tática e
estratégia, dois conceitos que originaram dos planos exatos e da guerra, para a
subjetividade da paixão:
“[…]Minha tática é
falar-te
e escutar-te
construir com palavras
falar-te
e escutar-te
construir com palavras
uma ponte indestrutível
Minha tática é
ficar em tua lembrança
não sei como nem sei
com que pretexto
porém ficar em ti […]”
ficar em tua lembrança
não sei como nem sei
com que pretexto
porém ficar em ti […]”
O poema Tática e Estratégia faz parte da
reunião de outras diversas poesias em “O amor, as mulheres e a vida”, que se
contrapõe ao título do livro de Arthur Schopenhauer , “O amor, as mulheres e a
morte” e expressa a opinião de Mario de que as mulheres estão mais próximas da
vida do que da morte e que só o amor é capaz de enfrentar a vida finita.
É justamente nessa antologia que Benedetti
concentra os dois temas - amor e morte- no poema Última noção de Laura, que
explica o final de A Trégua, ou melhor, dar a saída do escritor ao romance
intenso e verdadeiro de Avellaneda e Santomé. Desta vez, é a jovem que fala de
seu amor:
“[…] você é claro não sabe
já que nunca lhe disse
nem mesmo
naquelas noites em que você me descobre
com as suas mãos incrédulas e livres
você não sabe como dou valor
à sua simples coragem de querer-me”
As obras de Mario Benedetti são universais,
são ficções que são articuladas com embates e desenlaces reais, o que faz com
que muitos se identifiquem com suas histórias e as tornem como suas. Um dos
seus últimos poemas, resumi a
experiência de vida:
[…] temos uma desordem na alma
mas vale a pena sustentá-la
com as mãos / os olhos / a memória
tentemos pelo menos nos enganar
como se o bom amor
fosse a vida […] (Resumo)